sábado, 11 de fevereiro de 2012

agora

agora que as palavras são ruas invertebradas
 lugares domesticados
agora que o exílio nos envolve os pés
agora que o vício nos sabe a náusea
agora que o dia se acaba
agora que o crepúsculo é vidro
agora que o medo é lirismo
que o corpo é distância
que fome é  mar que o cais é geometria
agora que o prazo não se prorroga
que a lama é gelo que o riso é fogo que a boca é cidade
agora que os pássaros desertam
que as crianças já não brincam que a razão não existe
agora que o orgasmo não se repete que a hora é uma passagem
que o homem está de coronha em riste
agora que o que se diz por aí é inútil
que as estatuas são ambulantes  que as vozes são multidão
agora que a memória nos traí  que a lâmpada se apaga
que  o acaso é nocturno
agora que os jacarandás estão maduros
agora que a mesa foi posta
agora
que a saliva é pretexto que as mãos são a história
que a pólvora rebenta em nós
agora que eu sou tempestade que sou tempo e solidão
agora que  as nascentes secam que eu te invoco  que a fuga é de Bach
agora que o litoral é aqui  agora que eu sou selva inóspita
que o corpo é deserto que a sede é terra por habitar
agora que o vértice é o beijo  que os dias são liturgia
que os poemas são as sobras de luz que nos restam
agora
que o ritos são veleidades
que a pele é mapa que a pátria é continente  que o discurso é estilhaço
agora que a pedra é limiar que a hora é deriva que o nascer é foz
agora que  o ardor é voz que a rua é calada que o sino é sentido
agora que a folha é carne que a parede é pão
que  a penumbra é mel que  teu olhar é menino
agora que o desejo é  vidro moído  que as lágrimas são lago
agora que a estrada  se aparta e perfila

agora 

é este o alto risco





maria andersen