quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

multiplique (Dimi Éter)

 
 
 
 
 
só os corações é que somam
são as cabeças que dividem
multiplique isto por dois
não há o que subtrair
 
 
 
Dimi Éter

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

PELO TEMPO CRIADOR









 
Dentro dos meus olhos
“onde ninguém suporia”
há uma mesa cheia de livros
onde as palavras se entrelaçam
& ao centro um busto de homem
onde os olhos contradizem
todas as regras

em suas mãos celebra-se um poema
pelo tempo criador
deste silêncio:
a vida



 
Maria Andersen

no thank`s (Dimi Éter )

 
 
 
 
 
no thanks
jamais será
como antes
nem tente
quero o de sempre
i' drink and eat
e no fogo
acalmo e salvo
o que puder da vida
nem que seja um palmo
de partida
na hora da chegada

Grito ( Dimi Éter)





ultimamente não tenho escrito
grito naturalmente

naturalmente não tenho escrito
grito ultimamente

tenho escrito naturalmente
ultimamente não grito

o tempo




Ah se eu pudesse descer
 palavra por palavra até ao teu coração mas a cada passo paro para sentir a pausa do pensamento – nunca sabemos de que matéria é feito o olhar
dentro de nós não há paredes
apenas o verbo essencial
o deslumbramento…
& eu, escrevo por conta própria
este canto imperfeito
& lanço poemas como quem atira sementes –
à terra: não à minha, mas à tua
& é assim que as palavras ficam mendigas
& eu tomo-as pelo que são: indefesas como eu
outras vezes um gérmen de plenitude
eu podia dar-te este sopro vital
tão vital como o sopro que te deu Deus ao criar-te
mas como posso ser agasalho
se as vezes eu própria tenho frio
ah, trago a minha voz sedenta de te nomear
mas da mesma forma inocente
como se come um fruto
contigo no meu sentido
sentindo a tua ausência
as palavras nascem como uma criança
com as mesmas dores e a mesma ânsia
em espasmos de verbos
sobre a pele e os músculos –
os da alma
& gemidos contidos de dor & alegria
nasce a palavra como nasce a vida
& o dia ilumina-se de grande e precioso
não forces nunca a palavra
não lhe dês o peso de outro sentido que não este
deixa-o crescer assim fulgente como a aurora
deixa que aconteça assim como um lume leve
donde vem a força do clarão
que há-de queimar até ao fim a nossa solidão
a noite leva-me pela mão
até ao interior das horas – das tuas e das minhas
e como um rio o meu coração desce
ao leito do pensamento
& a água, a intima água
degrau a degrau sobe ao páramo da luz
onde as palavras nos doem de tão fundas
O poema é o repto eterno do instante
entrando pela alma
noite adiante interceptada e solta de madrugada
e fica em mim a duvida se cativo ou sou cativa
ah o tempo
é como uma lamina que passa e corta
& sobre o rosto deixa lavradas
tantas perguntas sem respostas
tantas feridas juntas a doer

a vida é sempre um livro inacabado
de tão inteira ser
de tão exposta à volúpia da mão e do seu fogo
onde o verbo arde tão dentro –
lugar de pássaros
e flores e gente –
eu quero envelhecer assim como uma vidente
que sabe onde moram os tesouros
- assim nos toca a vida
de pura e transparente
como a grande madrugada prometida
onde não há nenhum vestígio de impureza
onde eu percorro o tempo apaixonadamente

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Há Palavras que Nos Beijam







Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca.
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto;
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.

Alexandre O'Neill

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Chamar a Si Todo o Céu com um Sorriso







que o meu coração esteja sempre aberto às pequenas
aves que são os segredos da vida
o que quer que cantem é melhor do que conhecer
e se os homens não as ouvem estão velhos

que o meu pensamento caminhe pelo faminto
e destemido e sedento e servil
e mesmo que seja domingo que eu me engane
pois sempre que os homens têm razão não são jovens

e que eu não faça nada de útil
e te ame muito mais do que verdadeiramente
nunca houve ninguém tão louco que não conseguisse
chamar a si todo o céu com um sorriso

E. E. Cummings

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

é de noite que a corporeidade é mais táctil





é de noite meu amor


 é de noite que a vida vem
como um filme antigo ao pensamento
e nos penetra todos os impulsos primordiais
nesse poder inóspito do tempo
onde nascem verdades de tantas bocas

& nós aqui                         minúsculos credos da vida
de olhos impotentes e pasmados nesse crepúsculo das horas
rebanhos de veias que nos aquecem o pensamento
nesse ramo de razões com que defendemos as causas
que tantas vezes nos fecundam a raiva e a comoção





é de noite meu amor
que choramos os silêncios magoados
contra a carne
nesses gemidos marinhos
como se  o teu peito fosse  uma harpa onde eu canto
&  deslizo pela nudez do teu rosto
até sentires na boca o sabor do fruto  que comi

é de noite meu amor
que a luz se faz mais clara  pelo cálice
em que nos extenuamos em gestos
 até exorcizar todas as nossas carências

é de noite meu amor
que tacteamos  por dentro
as distâncias mínimas do abandono
nesse rigor do sol nos recantos  do corpo
porque nos teus braços  sou mais eterna
mais brisa                  mais ventre                 mais música
e tu  meu amor
porque me apeteces  inteiro para escrever corais sobre os teus dedos 
onde se solta o esplendor da manhã
onde  eu procuro o aroma da infância
no denso arvoredo dos teus olhos

é de noite meu amor
que é mais táctil a corporeidade
& mais vibrante o vinho dos mil clamores
pela unidade do ser(mos) espelhos efémeros
& eu amor
que agora me adenso em ti 
pelo espesso lado de dentro das horas
de nós – breve permanência  que plantamos aqui nas palavras
a pulsar verões  nessa nossa omnipresença



desenho e poema de maria andersen

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

no útero da palavra



é no útero da palavra
que me encontras
dolorosa  como as vagas
onde o mar se encolhe até ao centro de si
letra a letra inundo a noite
até  que regresse a manhã
ourada nos planaltos –
partitura de nossos olhos
fortaleza  de rosa búlgara
a  alma

& esta tarde ansiosa  fermentando o pensamento
& tu iluminação  
de instante a instante
por este acaso das horas
que abraça o mundo

tu
a única voz de luz que ameniza   o tempo
desta bastarda distância
de nós



 Pintura e Poema  de Maria Andersen

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

sangue dentro do sangue



Sangue dentro do sangue
clandestino sentido da voz
o tempo de um poema
que me fustiga a alma

espelho que os dias me oferecem tão cheio de palavras –
esta imanência oculta do grito que eu respiro
& esta inquietude que vem como um manto
onde me afundo a ascendo
nos meus olhos interiores &  absortos
& a alvura do verbo como um corcel

ai o estrondo do tempo implacável
as amendoeiras em flor  & inocentes
sobre o mês onde o âmbar se prolonga
& as tuas mãos com aroma a cigarro
& os violinos que oiço por esta hora tão breve
em que demoras & estás &  te deténs

as paredes
 só as paredes  do interior do  tempo sabem de nós –
diamante que em nossos olhos trazemos guardado
pelas linhas deste verso em que atravesso
esse
 ele
tempo
como o uivo dos séculos
ai as veias como queimam nesta tarde
& a chave deste mar ignoto  encerrado em mim
quem a tem?

tu

língua
nosso pedaço de céu
esse  horizonte em que te ergues & me ergo
ao suplicio do amor

ah                   sigiloso sentir
sangue dentro do  sangue
minha gota de impulso que corre secretamente para ti

mas esse é o gume que me volteia de fogo
ai espada desta telúrica matéria
frágil matéria / matéria mater .
 firmamento do ser
em somos
só eu
só tu
sangue dentro do sangue


                                                             Maria Andersen

Limbu imperfeito




Quem sou
se não me sei mais do que isto
neste perfil prisioneira
limbu imperfeito
com um eco de memória
& um corpo desenhado na palavra
& os meus olhos que se tornam nela

                                      Maria Andersen

domingo, 6 de fevereiro de 2011

José Mateus Pereira Neto

 

 

José Mateus Pereira Neto

(poeta brasileiro, natural de São Paulo em 1965, ainda inédito em livro)


AGORA


Agora angariar augúrios
& bobagens do tipo.
Agora saber da solidão
& não se espantar.

Agora finalmente conhecer-se
& estranhar-se.
Agora saber do Outro
& reconhecer-se.

Agora que sou muitos
& nenhum
Ao mesmo tempo.

Agora q o corpo deixou d ser templo
& pausa:
Foder as fronteiras.



SOU SEU FILHO


Autobiografia é não escrever
O último capítulo.

Viver agrega, agracia
Separa e mata.
Viver revive.

O tempo esquece-se da dor
Mas a cada novo doer
Lembrar é inevitável.

Assim também a alegria
Recua, recusa, foge e dá.
Sei (sabemos) o q fazer da dádiva?

Não transijo nem brigo
Observo, participo; & mordo.

Dente em carne tenra e crua, e nua
D novo a vida é feminina
& eu sou seu filho.

                                                        Fotografia de Maria Andersen Poemas José Mateus Pereira Neto*


sábado, 5 de fevereiro de 2011

Esta é a Forma Fêmea



Esta é a forma fêmea:
dos pés à cabeça dela exala um halo divino,
ela atrai com ardente
e irrecusável poder de atração,
eu sinto-me  sugado pelo seu respirar
como se eu não fosse mais
que um indefeso vapor
e, a não ser ela e eu, tudo se põe de lado
— artes, letras, tempos, religiões,
o que na terra é sólido e visível,
e o que do céu se esperava
e do inferno se temia,
tudo termina:
estranhos filamentos e renovos
incontroláveis vêm à tona dela,
e a acção correspondente
é igualmente incontrolável;
cabelos, peitos, quadris,
curvas de pernas, displicentes mãos caindo
todas difusas, e as minhas também difusas,
maré de influxo e influxo de maré,
carne de amor a inturgescer de dor
deliciosamente,
inesgotáveis jactos límpidos de amor
quentes e enormes, trémula geléia
de amor, alucinado
sopro e sumo em delírio;
noite de amor de noivo
certa e maciamente laborando
no amanhecer prostrado,
a ondular para o presto e proveitoso dia,
perdida na separação do dia
de carne doce e envolvente.

Eis o núcleo — depois vem a criança
nascida de mulher,
vem o homem nascido de mulher;
eis o banho de origem,
a emergência do pequeno e do grande,
e de novo a saída.

Não se envergonhem, mulheres:
é de vocês o privilégio de conterem
os outros e darem saída aos outros
— vocês são os portões do corpo
e são os portões da alma.

A fêmea contém todas
as qualidades e a graça de as temperar,
está no lugar dela e movimenta-se
em perfeito equilíbrio,
ela é todas as coisas devidamente veladas,
é ao mesmo tempo passiva e activa,
e está no mundo para dar ao mundo
tanto filhos como filhas,
tanto filhas como filhos.
Assim como na Natureza eu vejo
minha alma refletida,
assim como através de um nevoeiro,
eu vejo Uma de indizível plenitude
e beleza e saúde,
com a cabeça inclinada e os braços
cruzados sobre o peito
— a Fêmea eu vejo.

Walt Whitman, in "Leaves of Grass"