sábado, 29 de janeiro de 2011

É verde a manhã dos teus olhos









É verde
a manhã dos teus olhos

meu 
regresso lento           a ti
pelo caminhos que percorro  sílaba a sílaba
invadindo esse vocábulo  da casa que se alimenta de ti

Eu
& as horas  que se recolhem ao longo da pele
na memória do movimento
província  (sempiterna)  do silêncio  
esse princípio do   tempo  sem becos
só criado de espanto        & de vida

há tantas  gargantas  gastas  por aí
tantos olhos  tristes  cerrados nas sombras
pelos cantos esquecidos das ruas


& nós aqui                   agora                       neste poder
 de palavras novas e lugares por descobrir

ah    tempo                                     sem remorsos de o ser
lugar absoluto das nossas mãos
como o são esses velhos discos de vinil
que ainda amamos escutar  pela lonjura das noites
pelo sossego ansiado do teu colo
concha das tuas mãos onde bebo
as delicias do teu ser

ah  como tudo nos pertence                
mesmo para lá do esquecimento
os olhos que nunca se afastam do fogo inicial
do sangue onde se rasga                       a fome                       a raiva
terra nossa  até onde os anjos  descem

Eu
regresso a ti meu amor
chão de éden coberto de sóis  onde me deito
a morder a maça do amor no teu corpo
terra dos meus dias
& grito agora meu amor                            diante do mar
toda a fogueira do tempo
no céu lento de nós                              
 lençol onde nos vencemos
oceano                            onde toda a luz se desbrava
pelo  verbo  matinal     da nossa idade



Fotografia e Poema de Maria Andersen

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Formas ...da minha arte





                                                   Fotografias de Maria Andersen

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

A Cesariny






Pelo azul do dia     os teus olhos
arca de luz que  se agita

lavraste ( com humano arado)
a fascinante geometria da vida

instrumento  com que se rasga outro caminho:
corpo da criação que sangra - almo poeta
a sofrer o gume da vida
na exortação da palavra

poeta /sol que arde e não se extingue
& pelo enigma da vida
olhas a pomba de cal:
que
quebra entre os ventos

tens dezenas de asas na voz
& o mundo alio nos olhos -
(ó fuga em que me persigo)
menino     poeta
que morres de tanta luz - à mingua doutro sol
sonho selado  como a noite da sepultura
- aqui não brota puro
o amor sem a moeda –
 moeda corroída  que se multiplica
 imagens de mil espelhos quebrados
dor de quem assim  sente o deslumbrante fogo  de ser
clareira essencial dos dias
tempo –

lugar em que te elevo
ao alto pedestal do coração.

  Desenho a giz e marcador preto sobre cart/cinza
    Maria Andersen (in pelo Coração das coisas /2010)

O poema


 
 
 
 
 
 
 
 
O poema sempre foi um excluído
um rebelde
um indomesticado
mas eu que sou em mim própria exílio
não prendo a palavra ao sistema nem à clausura.
 
 
 
 
Fotografia a poema de Maria Andersen

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Princípio dos meus dias onde ainda somos clandestinos




Estou   sentada diante do dia  a norte do teu sangue
a olhar o escantilhão  do tempo                         mapa insondável
rigorosa forma   sobre a pele   onde o amor se pronuncia
onde se entranha  o cheiro das maças             & toda a  infância
& penso   na inutilidade  de pensar           lugar onde te anuncias
 a olhar a rua que começa em ti                a ouvir o requiem de Mozart

lugar onde me invento                  & onde estou?,           

a boca é sempre  o primeiro instrumento do espanto
o olhar                o alvoroço inteiro                      o fruto inviolado

& o teu silêncio  é a palavra que não escrevo

subsolo em que me debruço                    os teus olhos iminentes

ah       pudesse eu não ter limites
e ser como madrugada                   sabor  intenso
a transformar-me                         na forma justa  do corpo
deserto  tão longínquo                  a saudade         & a tua voz

onde perigosamente me deito como se fosse o regresso     
 apelo do tempo interminável                na vigília das palavras

oh muro da desordem                   o pensamento
que nos pastoreia no fundo  exausto da espera
erosão do corpo  a que a lei nos  ata
vírus lento da humanidade    & destes versos por semear
amo por isso a primavera onde tudo se refaz
agora estás & não estás nos meus dias 
& de noite mudas tudo de lugar

ai espada desta hora como uma sombra
na  arquitectura  perfeita  & sensível dos sentidos
para onde a alma emigra              dor de   Édipo          e minha dor
antiquíssima  flauta                  o desassossego cúmplice  do  verbo

& nós
princípio dos  meus dias onde ainda somos clandestinos

                                                     

                                                                     Pintura e Poema de Maria Andersen

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Língua no interior da pedra






Estou deitada no campo do pensamento,
numa espécie de deslumbre.

As vezes lavramos de ternura a vida
- é tão profundo entrar no sorriso,
& trazer os olhos cheios de alaúdes
no sitio exacto onde se deita a solidão

sou tantas vezes      uma selva inteligente

disfarçada de montanha & de paixão

ventre nu      chamando a língua no vício das palavras
matéria de mar em êxtase           no fogo do meio dia
corpo inteiro nesse movimento
& a boca mendiga & sedenta da tua
na febre do orgasmo                do suor                     do tacto
ramo de veias                 candelabro aceso onde nascem aves
             & pálpebras
                                & seda
                                           & línguas no interior da pedra
dos ombros onde se rasga a pressa

o grito                   o corpo                      o movimento inteiro


                                      

                                                                            Maria Andersen

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Ave insondável





Já fui outrora
uma estátua mordida
pelo esquecimento
já escrevi palavras inúteis
para falar de amor
na noite  onde os pássaros
 ferem a quietude


ah                 fugacidade das horas
onde soluçam os ecos das palavras

manancial  
                              o sangue

submetido ao tempo de uma chama
& as vozes                               lava inocente …

mas nunca o sol foi mais intenso
nem o mar esteve tão perto

& eu
                               pelo fundo vento do teu sopro
a romper paredes gastas
a rasgar pedaços velhos da história
a fixar a densidade da madrugada
sepultura da noite                   em que cerramos os punhos
a decapitar pedras                      

& o tempo                                             um  pacto de água &  fogo

& o teu olhar                 em que me desconcertas
                                           caminho em que te invoco
arca da aliança                             o ébrio alfabeto dos lábios
onde se ergue                               curva a curva o horizonte

“no princípio era o caos.
depois Gea,                a terra                    de amplo seio
e quantos imortais habitam
o nevado cume do Olimpo”

bigorna da alma             entrelaçada ao voo
tâmara do amor             as nossas bocas
& no coração                   recolhem- se  todas as estações
saga das tuas mãos na minha pele
palácio da minha língua a tua boca
& nossas águas talhadas pelo sol

alma         ave  insondável que atravessa o tempo

no fogo branco desta exacta página 




                                                                        Maria Andersen

Indizível - os lábios




Indizível
instante
a simetria
do beijo-
os lábios

fogo
sorvido
no peito

êxtase
na catedral
do corpo

Maria Andersen

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Poemato

Vou descendo pelo vestígio da casa
& assim aproo nos confins do verbo

ah    como corta e sangra

essa nudez 

eu

só a sós em ti
onde o tempo passa & eu fico

assim me despojo & concentro
no declive do verso

na lamina afiada da vida

nesse novelo em que desfio o tempo e a mim


mas

não me  peçam palavras avulso
nem   regra de prumo e de estilo
para fechar em alta o poema
só já aspiro a saber dividir-me a mim

em espanto          & canto           & contemplações

 
     Fotografia e poema de Maria Andersen

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

A vida





A vida
é raiva
 é grito
 é peito
do poema

ardente
enleio
a fonte
a fronte
o ventre


latente
a semente
o rosto
o rastro
o resto



e logo
abaixo
 sento-me

o presente
 sente
o indomável
sentir

Poema e fotografia de Maria Andersen


segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Embriaguem-se

É preciso estar sempre embriagado.
Aí está: eis a única questão.
Para não sentirem o fardo  horrível do
tempo que verga e inclina para a terra, é
preciso que se embriaguem sem descanso.

Com quê? Com vinho, poesia ou virtudes, a
escolher  .  Mas embriaguem-se.

E se, porventura, nos degraus de um palácio,
sobre a relva verde de um fosso, na solidão
morna do quarto, a embriaguez diminuir ou
desaparecer quando você acordar, pergunte ao
vento, à vaga; à estrela; ao pássaro, ao relógio, a
tudo que flui, a tudo que geme, a tudo que gira, a
tudo que canta, a tudo que fala, pergunte que
horas são; e o vento, a vaga, a estrela, o pássaro, o
relógio responderão:”É hora de
embriagar-se !  Para não serem os escravos
martirizados do Tempo, embriaguem-se ;
embriaguem-se sem descanso”. Com vinho,
poesia ou virtude, a escolher.

                                   Walt Whitman

Fotografia de Maria Andersen

sábado, 15 de janeiro de 2011

Os meus sentidos....



Mergulha
na noite suave do meu ventre
como um solitário buscador de ilhas
álacre esplendor da madrugada
flauta que  anuncia
o tempo sem mácula e sem uso

intimas pulsações dos meus sentidos
inclemente sede dum deserto

deixa-me

em teu universo fazer-te um grito
com a  ousadia da boca em descoberta
súplica deste  profundo  apelo
dois  focos eminentes
 duas sedes que lutam tão companheiras
& esta minha materialidade passageira
fundida na tua materialidade
os meus sentidos que me condenam a ficar
nas minhas mãos demiurgas  nessa lentidão
as minhas mãos impolutas a rasgar  rotas em ti
as minhas mãos proletárias a construir  sentidos
& as minhas mãos indomáveis
as minhas mãos indomáveis
 no teu corpo


Poema e fotografia da autoria de Maria Andersen

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

A                              interioridade,
mão                          longa
rica                           matéria
no                             do
gesto                         pensamento

       as palavras na mão
            na escrita
            da boca

Pintura e Poema da autoria de Aura Andersen(F.M)

Neste desvelo da noite

É nos teus olhos que se desatam os ventos
fragrâncias  que a noite estende para o dia
quando cresce desvairado  o olhar
nesse insólito ninho
onde nasce a minha sede de beber-te
espaço pressentido  dos teus dedos
grinalda   sossego              onde se fundem as almas
art-(i)-manha  das horas            neste dilúvio de letras
pólen  dos séculos                 em que me propago 
 ar em que me sentes                inteira
pálpebras abertas  pela noite -          insónia
dos meus olhos          flor rainha onde se esculpe m
as formas que ondulam         onde as palavras queimam 
nas tuas mãos coroadas de êxtase

clássicas parábolas  urdindo leis  pelo tempo
em que defraudo o coração
na língua – gem remota dos poetas
táctil ternura      tua presença
silabada agora  no alfabeto do poema
luz milenar  dos sóis        dentro do  olhar
onde tu cais  inteiro e súbito
na pele em que atravessa toda a memória 
por esse eixo do silêncio que nos escuta
bocas de tantas vidas   nos mesmos rostos
éden de nossas bocas      meu leme
a paisagem como um verso do saltério
de ardor  & eternidade
pianos tocando as fundas melodias
triunfo dos corpos                   nessa dança
cúpula de sóis             neste desvelo da noite
recinto do peito onde nascemos
nesse lógos  pulsar do prodígio
boca cosmos arrebatada              abrindo-se à imensidão
e aves a nascer em nós         fusão dos mundos
nesta          outra          infância
da vida inteira que se  ergue  geográfica  ao encontro do dia


Desenho(a carvão) e poema da autoria de Maria Andersen

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

“Pudera-quisesse”



Sobre a coluna mais alta escutar  a tua voz
Canto  das aves no seu voo
boca do desejo  - fome
palavras em que te deitas -  vive
exercício  inicial do poema em que pernoitas
música  abandonada  ao silêncio  do  coro
por esse vale  lentíssimo de te pensar –
tu
que tacteias  em mim os espaços mais secretos
o deserto que cultivo -  saudade
de mim-em-ti  repartida
nesse romper das horas em que a tinta nos afoga
 poro a poro os sentidos
ah          lentidão da mão onde o mar sobe
nesse  iridescente  sentir  da magnólia
sabor e nervo que a boca inteira procura
lugar despovoado …onde o regresso demora 
dos  gest-(os)-teus
vestido da tua boca com que vestes a minha pele
veias que são  livro                         sismo  dos sentidos
vulcão debruçado e ardente  na ponta dos dedos
cabeça ao redor de nós                 
nessa terra em que somos  vagarosamente
palavras licor a subir pela noite
como face  de Monalisa  

paixão de Hölderlin  &  Goethe
&  derrama-se assim a tua ausência
nessas marítimas paisagens onde as veias  ardem
e teus olhos de  quartzo
nas varandas dos meus olhos
ah         visita-me
enquanto não envelheço

& toma estas palavras cheias de medo
& derrama-te  em mim como um vinho
na tua ausência  maior                   na dor  mais densa

ah       lábios em que te chamo – ouro
em que te faço árvore & rio

que corre no leito de mim
para a foz de nós




Desenho e Poema da Autoria de Maria Andersen